segunda-feira, 16 de julho de 2007

Ele Não Serve Para Ser Jornalista...

Um repórter. Foi com calma e verdadeiro interesse que ouviu durante dois dias um cego sertanejo relembrar sua vida para, logo após perdoar o pai centenário durante a conversa, morrer sorrindo.

Foi com verdadeira abertura que:

- Esteve com os índios Cinta-Larga durante dois meses, vivendo na pele o martírio da perseguição constante. E ajudou a estancar o sangue de uma pequena indiazinha de 10 anos que ficou ferida após rajada de tiros de um grupo de fazendeiros locais;
- Prolongou um almoço por três tardes para apreciar dona Quitéria, de 103 anos, costurar histórias do cangaço e, depois, pensativa e faceira, presenteá-lo com a revelação de que fôra amante de Lampião e sua bordadeira preferida;
- Respirou o ar nauseante do lixão onde Maria Tião e seus doze filhos trabalham 15 horas por dia todos os dias;
- Morou por dois meses na comunidade de portadores de hanseníase, chorando silenciosamente com eles o abandono isolado de quem perdeu-se num grotão vazio do mundo com outros náufragos da indiferença...

Na sala com 5 pares de lâmpadas fluorescentes, o ar condicionado ligado na temperatura de 26 Cº, as cadeiras com cheiro de novas, compradas na Tok Stok da Marginal Pinheiros e uma garrafa de café metálica robótica. Sim, as 5 pessoas na sala discutem, em torno da mesa com o repórter, sobre o fracasso de sua última pauta na revista Comportamento Vencedor. Atrás da editora-chefe um quadro com a lista dos 3 piores releases do mês e uma careta desenhada.

Sim, pediram ao repórter que buscasse pessoas para dar um relato sobre seu maior trauma amoroso e como fizeram para superá-lo. Previam respostas doídas. Mas quem se dispôs a falar apenas tinha histórias levíssimas e engraçadas. Os que realmente sofriam não queriam, por nada desse mundo, abrir suas emoções para a revista Comportamento Vencedor. O repórter não insistiu. Não foi profissional! Você devia ter insistido mais! Eles tinham que falar!

Mas vocês queriam uma tese pronta para se confirmar, queriam que as pessoas fossem pressionadas a falar, queriam que as feridas fossem abertas, previam que os entrevistados falassem, disse o repórter aos editores. Porque um bom repórter consegue o que quer de seus entrevistados. Afinal, mesmo sem tempo de estabelecer qualquer tipo de vínculo, o repórter deveria conseguir o que a matéria precisava. Era o que os jornalistas de verdade faziam, senão pra quê serve um jornalista?!!! A sala tinha visores de acrílico dando para um corredor e para outra grande sala com dezenas de baias cheias de gente, inclusive alguns repórteres.

...fôra amante de Lampião e sua bordadeira preferida;
- Respirou o ar nauseante do lixão onde Maria Tião e seus doze filhos trabalham 15 horas por dia todos os dias;
- Morou por dois meses na comunidade de portadores de hanseníase, chorando silenciosamente com eles o abandono isolado de quem perdeu-se num grotão vazio do mundo com outros náufragos da indiferença...
... quando dormira com os cortadores de cana dentro de um galpão inundado de cantos caipiras que remetiam à terra natal;
...naquele dia, sol de outubro nos rostos das moças tão novas. Ele viu a menina mais linda do mundo indo para sua primeira noite de agonia no bordéu, levada pela mãe, e escreveu a história da menina em detalhes depois que viajou com ela, fugidos, para deixá-la tímida mas contente numa comunidade ribeirinha onde havia uma cooperativa de doceiras...

Mas é uma pena, ele não serve para ser jornalista.

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