quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Vapor Sobe, Sísifo

Não há nada para fazer hoje. Nem o sorveteiro passou buzinando. A rua só queima um vapor dançarino que se insinua poucos centímetros acima do asfalto. Vez ou outra um grito de mãe: “Lazarento, entra pra dentro senão te lasco na cinta!”. Choro de criança, rádio ligado, risada esgarçada.

Sair da cadeira é um desafio. Ficar também. Precisar estender umas roupas no varal eu até precisava, mas não vou. Por enquanto, a bacia também assenta os trapos largados que nela se amontoam.

Mas a Cátia disse que vem. Vai ser bom se ela não tiver uma daquelas crises. Não estou com saco para ouvir traumas do antigo namorado. Porra, não tem eu agora? Já tive paciência demais. Paciência hoje não. Dá vontade de pegar aqueles bracinhos finos, apertar bem e danar um beijo. Se ela começar a fazer corpo mole, jogar ela na cama e arrancar a roupa. Tesão de raiva é forte, de tédio mais. Um pensamento como um plano perfeito. Tudo programado? À puta que o pariu...

Sei que na geladeira tem um rum velho. Sim, evaporar como a fumaça morna do asfalto, lânguida, cheia de ausência. Queria esticar o braço e alcançar minha alma. Caralho, ainda pensando poeticamente. Que merda... Já cansei de ficar convencendo aqueles playboys da Augusta a comprarem meus fanzines. Vão tudo tomar no cu, isso sim.

Já perdi 5 quilos só de ficar bebendo, fumando e batendo punheta. Pedindo cigarro, ganhando rum velho, revendo as mesmas bundas da revista de mulher pelada. E trinta e seis anos nas costas. Ultimamente só com dinheiro de fanzine e camiseta tai dai. Vontade de cagar tudo logo, viu. Que se foda. Não ver o outros, bom pra caralho. Nunca mais me ver, a glória. Fuder com tudo e desaparecer. O vapor sobe.

A campainha está tocando. Deve ser a Cátia. Graças a Deus.

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