O jornalista, para o bem do mundo, está situado muito acima da sociedade em que vive. De lá do alto, tudo enxerga, a partir de um lugar que lhe dá condições de imparcialidade. Por isso, quando vê qualquer movimento lá embaixo, na terra movimentada e cinzenta dos mortais, ele diz: “olha lá o que está acontecendo!”, e descreve a balbúrdia entre risos irônicos de quem tudo sabe no exato e na distância.
E quando um dos pobres mortais que se digladiam lá embaixo resolve também olhar para o mar cinzento em que vive e diz algo a respeito do que vê, o jornalista indignado o repreende dizendo: “cego! de onde você está não pode ver nada! cale-se!”. E se o pobre mortal ousa criticar o mar de fumaça em que está inserido, o jornalista-deus proclama a sentença que queima a ridícula pretensão do mortal: “o que dizes é pura ideologização”, entre caretas de desprezo. E o jornalista-deus, como está muito acima de toda a bagunça que sacode lá embaixo, mal ouve o pequeno som de explosão que evapora a presença medíocre daquele miserável que ousou julgar algo sobre sua própria condição.
No silêncio da alta montanha, com olhar sublimemente imparcial e justo, o jornalista ainda acende um cigarro e diz soltando fumaça em forma de argola no ar de sua onisciência: “não creio em nada acima da sociedade, sou ateu”, e cospe de lado.
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