sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Rachaduras

Quanto há de autonomia? Quanto há de liberdades? Capitalismo e liberdade? Como se dá essa liberdade?

Pululam, puxam, de todas as formas vão prendendo as gentes, o capitalismo em sua forma de micro-dominações. A televisão, adorada pelos vários cruzamentos da teia capitalista. A televisão, instrumento predileto da dominação pelo isolamento. Famílias atomizadas, condução, horas, aperto, horas, minutos, trabalho, as famílias chegam para se divertirem depois de um dia inteiro, jornada de 8 horas com cafezinho e ginástica laboral de 20 minutos, condução, as famílias se espremem no sofá sob cobertores, sob aplausos da platéia que julgam fazer parte, aperto, catraca, troco, mais 2 horas para voltar, cansaço, a família se fecha na sala iluminada pela TV, se esconde dos vizinhos que assistem ao mesmo programa ou outros que passam pelo cabo, a família se liga ao mundo, se conecta, se cosmopolitiza, se dobra no sofá, cansaço.

As chantagens do capitalismo. A chantagem da miséria (essa é boa, do Guattari). Quem exprime seus desejos, quem respeita seus desejos vai ficar de castigo. A punição? A miséria. Quem não se encaixa-se enforma-se deforma-se enquadra-se esquadrinha não ganha emprego, ou não permanece nele. Chantagens. Miséria.

O ar, a água, os pássaros, as cores, o sexo, os poemas, a solidariedade, as nuvens, as lagartixas, os gostos, os assovios? Na medida certa, na dose moderada, equilibradamente, somente um pouco depois do jantar ou na excursão de fim de ano. E tome seu chá verde para aliviar a dor, Campeão (soquinho no queixo).

Saiu do ciclo café-condução-trabalho-café-cigarrinho-trabalho-trabalho-café-cigarrinho-condução-família-refeição-televisão-sono-ronco-despertador-café-condução... vai preso. Ah, vai. Vai preso pelo preconceito. Vai preso pelos olhares. Vai preso pela recriminação dos amigos, da família, do empregador, do cobrador do ônibus, do chofer, e até dos colegas revolucionários. Vai preso.

Qual a revolução? A que deixa de lado a revolução do cotidiano? A que deixa de lado a revolução da família? A que deixa de lado a revolução das mentalidades?

Revolucionar. Romper e transformar as grandes estruturas sem romper e transformar as mentalidades, a vida cotidiana, a relação entre gêneros, a educação das crianças, as psicologias, a comunicação, sem romper e transformar a vida do dia-a-dia é revolução?

Rachaduras. Cada movimento, cada ato, cada pequeno processo minúsculo de subverter a ordem. Rachaduras. Vão tapando uma ali, outra aqui. Mas as rachaduras vão se espalhando em varizes infinitas pela parede...desmoronamento. Quando os grandes processos revolucionários acordarem, os minúsculos processos revolucionários já estarão quase completando a revolução. Aí, de mãos dadas, um e outro, grande e pequenos, pequenos articulados horizontalmente em um grande movimento, vão transpor o arame farpado. Capitalismo: anti-desejo.

Os corpos libertos, as crianças libertas, os pacientes libertos, as mulheres libertas, as chantagens desfeitas, desmascaradas.

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