O jornalista, para o bem do mundo, está situado muito acima da sociedade em que vive. De lá do alto, tudo enxerga, a partir de um lugar que lhe dá condições de imparcialidade. Por isso, quando vê qualquer movimento lá embaixo, na terra movimentada e cinzenta dos mortais, ele diz: “olha lá o que está acontecendo!”, e descreve a balbúrdia entre risos irônicos de quem tudo sabe no exato e na distância.
E quando um dos pobres mortais que se digladiam lá embaixo resolve também olhar para o mar cinzento em que vive e diz algo a respeito do que vê, o jornalista indignado o repreende dizendo: “cego! de onde você está não pode ver nada! cale-se!”. E se o pobre mortal ousa criticar o mar de fumaça em que está inserido, o jornalista-deus proclama a sentença que queima a ridícula pretensão do mortal: “o que dizes é pura ideologização”, entre caretas de desprezo. E o jornalista-deus, como está muito acima de toda a bagunça que sacode lá embaixo, mal ouve o pequeno som de explosão que evapora a presença medíocre daquele miserável que ousou julgar algo sobre sua própria condição.
No silêncio da alta montanha, com olhar sublimemente imparcial e justo, o jornalista ainda acende um cigarro e diz soltando fumaça em forma de argola no ar de sua onisciência: “não creio em nada acima da sociedade, sou ateu”, e cospe de lado.
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
domingo, 2 de novembro de 2008
Ao Toque
Ela se vestia de palavras e de profundidades. Quando abri a página do livro, lá estava ela, assim, adornada de verdades. Por dentro, em sua nudez, havia nela sonhos que eu não sabia se eram meus ou de um outro. Quando ela saiu do livro e veio em minha direção, pegava fogo, e suas chamas queimaram flores do jardim. Quando nos tocamos, ela se fez uma grande dúvida, enorme dúvida eloqüente.
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